terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Avião de Papel - 2

Os relâmpagos revoltavam-se contra a Humanidade, destruindo a Terra. 
Explodiam no coração dos habitantes, afastavam terras, zangavam mares, possuíam ventos e entristeciam almas. Ainda diziam que o pior estava para vir, deixei-a para trás, tinha-me de refugiar numa cobertura. As lágrimas misturavam-se com a chuva torrencial, cada vez mais. 
A minha mãe morreu. 

Li e depois do pedido do professor Leonel, voltei a ler, após ele me ter interrogado o que eu estava a escrever naquele caderno castanho, velho e lamacento, em vez de estar atenta à aula: 
-Júlia, posso ver o que estás a escrever? 
-Desculpe professor. - Disse rapidamente, constrangida, na tentativa de colocar o caderno na pasta.
-Vem cá ler o que escrevias. 
-Eu estou arrependida, já disse, desculpe, não vai voltar a acontecer. - Gaguejava.
-Eu não te pedi, eu ordenei. 
 Levantei-me e dirigi-me para o centro da sala de aula e com a voz fragilizada obedeci ao professor.
Depois do silêncio e da vergonha ouviram-se risos e cochichos, viram-se olhares aterrorizados e muitos outros inexpressivos. 
Voltei-me a sentar.
Depois do toque, preparada para sair da sala, Leonel tocou-me ao de leve.

-Tem um minuto, menina Júlia? - Acenei que sim com a cabeça e sentei-me novamente em frente ao homem alto, magro, com os cabelos penteados e que puxava de cinco em cinco minutos os óculos, que lhe escorregavam pelo nariz, para cima. - Foi a menina que escreveu aquele texto? - Acenei com a cabeça novamente, afirmando a interrogação de Leonel. - Está tudo bem em sua casa? A sua mãe está bem? - Voltei a acenar, daquela vez, eu queria falar. Queria mesmo mas as palavras simplesmente não me ocorriam. - Pode sair. Até à próxima aula. 
-Adeus professor. - Gaguejei eu.
Ainda não tinha conseguido processar o facto de ter lido um texto tão pessoal e intimo para a turma inteira. Vagueava pelo recreio a pensar sobre o assunto e, sobre o grande relvado, por de trás da escola, sentei-e e retirei o meu caderno, castanho e lamacento. Rasguei a folha onde havia escrito aquele excerto assustador e fiz dele, um avião de papel.
-Júlia, 
Abril, 1943

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